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Racismo estrutural: como podemos combatê-lo em sala de aula?

Você certamente já ouviu em algum momento o termo “Racismo Estrutural”, mas o que especificamente este conceito quer dizer sobre nós? Nesta postagem vamos entender o que ele significa e trazer algumas dicas de como transformar essa realidade a partir da sala de aula.

O racismo estrutural é um conceito que procura apontar as mais diversas formas de racismo na estrutura social, política e econômica da sociedade. Neste texto usamos por base a compreensão de Silvio Almeida, em sua obra Racismo Estrutural – Coleção Feminismos Plurais, Editora Jandaíra, 2019.

É importante entendermos, de antemão, que a ideia de Racismo Estrutural pode, por vezes, servir como um suavizador das implicações do racismo na sociedade, retirando o componente individual e subjetivo do racismo, isto é, a compreensão errada que alimenta crenças do tipo “então é assim mesmo, a sociedade é racista e eu não tenho forças para mudar isso”. Importa, portanto, pontuar que não é esse o ponto de vista do conceito de Racismo Estrutural aqui proposto.

Vamos fazer um breve apanhado histórico para entender esse conceito?

O conceito de “raça” sempre esteve atrelado às circunstâncias históricas do seu uso. A compreensão usual do conceito de raça que justifica o racismo e as violências contra negros, com grande ênfase nos regimes escravocratas, remonta ao séc. XVI no contexto de expansão econômica mercantil e as “descobertas do novo mundo”, inserido nas compressões renascentistas. É a partir do renascimento que surge o projeto filosófico do ser humano como um sujeito universal, com o “homem europeu” no centro dessa compreensão, alocando outros povos e culturas como seres “menos evoluídos”. Essa compreensão justificou todo o colonialismo e expansão com base na exploração de outros povos e culturas e sedimentou profundamente a forma como o ocidente percebe as culturas originárias e os povos africanos.

Leonardo Da-Vinci – O Homem Vitruviano – 1490

Com o iluminismo do séc. XVIII o homem passa a ser objeto do conhecimento superando em parte a ideia de sujeito propagada pelo renascimento. Passa-se a um esforço para a classificação dos grupos humanos a partir de características físicas e culturais, cria-se a diferenciação antropológica-filosófica entre civilizado e selvagem (ou primitivo). É o iluminismo que estabelece as bases para as revoluções liberais que fazem a transição entre a sociedade feudal e a sociedade capitalista, ancorado no conceito de “sujeito universal” como elemento fundante da nova civilização. Essa compreensão euro centrada é o que justifica as expansões desse período e o movimento de exploração chamado posteriormente de “colonialismo”.

Esse projeto civilizatório chega a uma ruptura em 1791 com a revolução Haitiana que insurge contra seus colonizadores defendendo os mesmos princípios de liberdade e igualdade pregados pela revolução francesa, mas que não eram estendidas aos homens e mulheres negras escravizados naquele território (e em nenhum outro). Os escravizados tomam o controle do país e proclamam sua independência em 1804 lutando pela igualdade entre todos os homens. É a revolução do Haiti que denuncia que no projeto liberal iluminista não há igualdade entre todos os homens e tampouco esse projeto faria com que todos fossem reconhecidos como seres humanos. O conceito de raça serviria, como parte do colonialismo, para a classificação de pessoas, a destruição e extermínio dos povos das Américas, África, Ásia e Oceania. É nesse período que nascem as comparações entre seres humanos de algumas culturas com animais e até mesmo insetos, desumanizando grupos humanos e solidificando as práticas discriminatórias ainda presentes na sociedade contemporânea.

Na Fotografia, o jovem Congolês Ota Benga. Este é considerado um caso emblemático de racismo do século 20, nos Estados Unidos: em 1906, um zoológico localizado em Nova York exibiu o jovem africano em uma jaula. Em 1904 o jovem foi vendido por traficantes para o missionário Samuel Phillips Verner, que organizava uma exposição nos Estados Unidos com pessoas consideradas “exóticas” pelos norte-americanos. Ota foi exposto, junto com mais oito jovens africanos, em uma mostra chamada “Os Homens Selvagens Permanentes do Mundo”, na Feira de St. Louis.

Com o positivismo, as questões de ordem filosófica passam a ser tratadas no campo científico, mobilizando o conceito de determinismo biológico e/ou geográfico para justificar o racismo. A biologia seria capaz de explicar as diferenças morais, psicológicas e intelectuais entre as diferentes “raças”. A pele não branca e o clima tropical explicariam os comportamentos imorais e violentos e a “pouca inteligência” de determinados grupos étnicos (leia-se todos os não brancos). Essa compreensão ficou conhecida como racismo biológico.

Desde meados do séc. XX a antropologia passa a defender a ideia de autonomia das culturas e a inexistência de critérios biológicos e culturais capazes de hierarquizar os grupos humanos. Com a segunda guerra e os feitos horrendos em decorrência de uma compreensão do conceito de “raça” reforçou a ideia de que “raça” é um elemento essencialmente político sem nenhuma sustentação científica, mobilizado apenas por interesses dominantes que procuram reduzir a humanidade do outro, especialmente os não brancos, hierarquizando pessoas com vistas à sua aniquilação ou exploração.

O Racismo é, portanto, uma forma sistemática de discriminação, historicamente construída, que tem a raça como fundamento e se manifesta por meio de práticas conscientes ou inconscientes que geram vantagens ou desvantagens à indivíduos a depender do grupo ao qual eles pertençam, que tem como objetivo principal segregar pessoas com vistas à sua dominação, sujeição, exploração e até mesmo extermínio. Para melhor compreensão do que seja o racismo é importante distinguir preconceito racial e discriminação racial.

Preconceito racial: É o juízo baseado em estereótipos acerca de indivíduos que pertençam a determinado grupo étnico-racial. Exemplos: Homens negros são violentos e propensos à criminalidade. Árabes são avarentos e propensos a serem desonestos nos negócios. Japoneses e chineses são mais aptos às ciências exatas e matemática.

Discriminação racial: É a atribuição de tratamento diferenciado à membros de grupos racialmente discriminados, gerando desvantagens ou vantagens por meio da força. Exemplos: o baixo investimento em infraestrutura de bairros periféricos majoritariamente habitados por pessoas negras marginalizadas. A dificuldade de acesso à direitos fundamentais como saúde, habitação, segurança e educação à uma parcela da população de um país. É importante destacar que a discriminação racial pode ter um sentido positivo quando se cria políticas afirmativas que visam corrigir desigualdades históricas, a exemplo da política de cotas para o sistema universitário.

O racismo é um fato complexo e estruturante da sociedade que se manifesta em diferentes esferas da vida cotidiana, ora mais evidente e perceptível na prática direta de pessoas e instituições, ora de maneira velada e/ou sútil onde indiretamente o racismo determina as relações sociais e impacta a vida concreta de pessoas sejam elas beneficiárias ou vítimas da estrutura racial.

Podemos dividir o racismo em três modalidades:

O racismo subjetivo: quando praticado por um indivíduo ou um grupo isolado.

O racismo institucional: parte da compreensão de que o racismo não é fruto apenas de decisões individuais, mas como resultado do funcionamento e da dinâmica de funcionamento das instituições que relega, indireta ou diretamente, vantagens e privilégios a partir da compreensão de raça. Há um domínio dado a partir de parâmetros culturais em que as relações e práticas de poder estabelecem os parâmetros civilizatórios a partir de um determinado conjunto social hegemônico. Assim, o racismo que essa estrutura expressa e resguarda faz parte do tecido social, e as estruturas reproduziriam as expressões racistas da sociedade. Exemplo: o amplo domínio de homens brancos nas esferas de poder e decisão como as casas legislativas e o judiciário, dificultando o acesso a pessoas negras e mulheres nas instâncias decisórias.

O racismo estrutural: compreende o racismo como um “elemento parte” da ordem social. Ele não é criado pelas instituições, porém essas o reproduzem e acentuam. Também não é um elemento meramente subjetivo, mas individualmente as pessoas manifestam o racismo em suas práticas cotidianas e perpetuam práticas institucionalizadas de racismo. É fruto dos conflitos sociais de classe, de gênero e de raça onde as instituições (quando não abordam de maneira assertiva) reproduzem a estrutura do tecido social e das contradições dos sistemas econômicos e políticos dominantes. Em síntese, o racismo estrutural é a maneira como a sociedade e suas instituições manifestam os preconceitos e a discriminação baseados na compreensão de “raça”.

A manifestação estrutural do racismo pode ser dividida em quatro elementos;

1 – Ideológico: produz a reflexão de como a ideologia do racismo é construída no tecido social e no ideário de pessoas brancas e não brancas, perpetuando culturalmente no imaginário coletivo a hierarquização e segregação de pessoas a partir de estereótipos e preconceitos.

2 – Político: produz a reflexão a respeito da representatividade efetiva. Entende que a representatividade em instâncias decisórias, sobretudo as políticas, são muito relevantes para o combate ao racismo, porém a representatividade por si só não é capaz de superar o racismo, uma vez que o indivíduo é suscetível a influências sociais e ideológicas, podendo ser cooptado pelos interesses e estruturas de poder. Representatividade não significa, necessariamente, diversidade e efetividade político-social.

3 – Jurídico: produz a reflexão de como o direito pode ser usado como uma importante ferramenta de perpetuação do racismo em nossa sociedade, principalmente quando esse negligencia as questões ideológicas e os conflitos sociais presentes nas querelas a ele relegadas. O direito expressa o racismo, também, na sua composição, onde a representatividade e a equidade na distribuição e acesso à carreira, principalmente entre os magistrados, revela o abismo entre os brancos e os negros, homens e mulheres.

4 – Econômico: produz a reflexão de como as políticas de austeridade fiscal e o hiperincentivo ao empreendedorismo consolidam o racismo que estrutura a sociedade desde a escravidão. Adaptando as decisões de ordem econômica com vistas a perpetuação da estrutura de desigualdade econômico-social e a facilitação da lógica de redução de direitos e cobertura assistencial de parcela significativa da população em contraste com os incentivos, benefícios e isenções que aumentam a desigualdade e facilitam o acúmulo de capital sem aumento da responsabilidade social de determinados sujeitos, grupos e organizações privadas.

A única forma de combater o racismo estrutural é por meio de práticas antirracistas efetivas que promovam a igualdade e a diversidade nas relações, de modo a remover as barreiras e promover a acolhida de grupos e pessoas. Atuando ativamente contrário à discriminação e ao racismo em todas as suas expressões, combatendo assim a manifestação sistêmica das práticas racistas de toda a ordem.

Mas como podemos combater o Racismo Estrutural em nossas aulas?

Entendido o conceito de Racismo Estrutural, é importante pensar em ações concretas para superá-lo. A primeira ação deve ser sempre o combate ao racismo em todas suas expressões. Não tolerar ou reproduzir falas, piadas, gestos ou qualquer manifestação preceituosa e educar nossas crianças e jovens para uma outra sensibilidade onde essas expressões de violência não sejam naturalizadas. O primeiro passo é assumir uma postura ética antirracista.

Em sala, podemos pensar em ações concretas que valorizem a história e cultura africana, afro-brasileira e indígena, como por exemplo:

Dedicar mais tempo desenvolvendo atividades e abordando os objetos de conhecimento que estejam relacionados aos povos originários do Brasil, à cultura Afro-brasileira e sua história e a África. Quando falamos de pirâmides do Egito, por exemplo, estamos falando de um povo negro que edificou as mais belas e complexas obras da engenharia. Dar essa ênfase, destacando a história e cultura desse povo, abordando as características positivas e as contribuições significativas desses povos desconstrói estereótipos euro centrados.

Outra dica é utilizar palavras de origem africana e indígenas para alfabetizar as crianças. Essas palavras carregam consigo histórias, memórias e valores desses povos. Não são apenas palavras, são compreensões de mundo e de relações. Essas palavras podem mobilizar projetos de aprendizagem e pesquisas aprofundadas sobre esses povos e culturas, tornando o processo de alfabetização mais significativo. Obviamente, respeitando o nível de desenvolvimento dos alunos.

Já pensou em trabalhar a revolução do Haiti em sala de aula? Essa revolução é uma das mais importantes das Américas e está carregada de sentidos culturais, linguísticos, geográficos e históricos. Você sabia, professor, que a revolução do Haiti ajudou na abolição da escravatura no Brasil? Que tal desenvolver projetos e atividades que explorem esse fato histórico?

A revolução do Haiti

 

Essas são algumas dicas para que possamos ter uma educação efetivamente antirracista. Percebemos o mundo e agimos a partir dos valores que nos foram ensinados e, enquanto educadores, ensinamos valores aos nossos alunos em nossas escolhas cotidianas. A educação é uma ferramenta fantástica de transformação. Vamos juntos transformar?

 

Assessoria para Educação das Relações Étnico Raciais – ERER

e-mail: etnicoracial@aprendebrasil.com.br

Se tiverem alguma dúvida ou consideração, podem contar conosco.

Abraços

Altemir, Rafael e Kátia

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